terça-feira, 9 de junho de 2015

Scorpio - Parte I

Era mais um dia de verão numa cidade já normalmente quente.
Joaquim arrancava ervas daninhas de sua horta no quintal, quando percebeu uma leve ondulação nas folhas do pé de abóbora. "Hmm... Deve ser um lagarto." Pensou em ir até lá e para ver o bichinho, que considerava sempre uma visão interessante. Caminhou até o pé, parando para observar suas abóboras, das quais era muito orgulhoso, e ergueu uma das folhas.
- AAAARGHH!!!
Céus, que susto! Em vez de um belo calango, o que Joaquim encontrou entre as folhas vistosas de sua horta foi um escorpião amarelo. O bicho tinha uma aparência realmente assustadora, bem diferente dos inocentes calangos. "Essa foi por pouco.", pensou. Mas bem que era de se esperar, nesta época do ano. Tudo bem, ele iria recolher o bichinho e continuar com seu trabalho. Ainda havia muito o que fazer...
Algumas horas depois, enquanto assistia o jornal da noite, Joaquim soube que duas pessoas haviam sido picadas por escorpiões do mesmo tipo que ele encontrara mais cedo naquele dia. A apresentadora fez as recomendações de praxe para este caso e então Joaquim desligou a TV e foi dormir.

***


A noite estava quente e Joaquim resolveu levantar e ir até o quintal na esperança de tomar um ar fresco. Então ele percebeu novamente uma ondulação nas folhas de seu pé de abóbora e se aproximou cautelosamente, tentando identificar se era outro escorpião. Ao chegar mais perto, viu algo que não podia ser verdade; mudou de posição e olhou de novo  para a parte da horta que ficava mais perto do portão. E assim, ele percebeu que não era imaginação sua: realmente havia uma fila de pequenos escorpiões saindo da proteção das folhagens e indo em direção à rua. Apesar do pavor, Joaquim decidiu seguir com muito cuidado aqueles escorpiões, para ver onde estavam indo. Na verdade, ele não entendia muito bem por quê estava fazendo aquilo. Não seria melhor ligar para alguma autoridade? Mas algo se agitou dentro de si, compelindo-o a seguir os escorpiões-bebês.
Joaquim andou durante aproximadamente quarenta minutos atrás daqueles escorpiões. Estranhamente, eles pareciam não se incomodar com sua presença; ele ainda sentia medo, mas estava agora mais curioso do que assustado. Os escorpiões estavam entrando em um cartão-postal da cidade, o Parque dos Chapéus, que dava lugar a um belo bosque mais adiante.
O Parque dos Chapéus recebera esse nome em homenagem às centenas de estudantes da universidade ao lado que iam lá tradicionalmente na época de sua formatura, munidos de chapéus, apenas para tirá-los e jogá-los para o alto. Após o ritual, os chapéus eram deixados lá para os moradores e visitantes da cidade que se interessassem em torná-los seus. Essa brincadeira, na verdade, começara com uma aposta entre duas turmas rivais de algum curso da universidade, onde uma turma desafiava a outra a se formar com o maior número de estudantes possível; a turma perdedora deveria ir até o bosque vestidos com suas togas, porém com chapéus comuns, do dia-a-dia, e jogá-los para o alto em uma imitação do gesto dos orgulhosos formandos. A rivalidade era apenas uma brincadeira, algo usado por essas duas turmas para "encher o saco" uma da outra, mas a moda pegou. Ainda hoje, 50 anos depois, os formandos da cidade continuam jogando seus chapéus na praça.
Agora, o parque estava cheio deles. E, quando Joaquim olhou uma segunda vez, percebeu que alguns escorpiões se juntavam para carregar os chapéus para dentro, em direção ao bosque. "Que estranho!", pensou. Mas depois refletiu que isso não era muito mais estranho do que aquela quantidade absurda de escorpiões andando em bando pela cidade e tolerando sua presença. 
O estranho grupo continuou andando cada vez mais para dentro do bosque, até que chegou na parte mais densa. Então, pararam. Neste momento, Joaquim ouviu um som que fez sua pele se arrepiar desde o couro cabeludo até as solas dos pés, se é que elas se arrepiam. O barulho se repetiu. Joaquim girou em torno de si mesmo buscando a origem daquele som. Quando o barulho tornou a se repetir e os escorpiõezinhos começaram a se juntar em torno dele, Joaquim não precisou olhar para saber o que veria...