segunda-feira, 19 de junho de 2017

A Mulher Dilacerada

Ela sentia vergonha. Era uma vergonha terrível e também havia um sentimento de culpa profundo. Ela se sentia envergonhada e culpada, pois havia traído. E não fora uma traição a outrem, mas sim a pior das traições: havia traído a si mesma. Traíra a seus princípios e crenças, traíra àquilo que acreditava ser sua própria essência. Ferira sua própria dignidade. Havia machucado mais a si mesma do que jamais machucara qualquer outra pessoa e mais do que qualquer outra pessoa já havia machucado a ela. Sabia que demoraria muito tempo para se recuperar dessa agressão autoinfligida. Sabia que se lembraria disso para o resto da vida. Não seria uma daquelas memórias esquecidas, não, jamais. Seria uma daquelas coisas que voltam à mente diversas vezes, sem aviso, em qualquer dia, em qualquer momento, em sonhos ou acordada. Seria uma daquelas coisas que maculam a felicidade e diminuem a paz de espírito. E quando ela estivesse em um momento particularmente difícil da vida e se perguntasse o por quê, por quê justamente com ela, a memória dessa traição retornaria para explicar, para dar esse motivo, como se fosse a punição por um crime, ou por um pecado, se ela acreditasse em pecados.
A traição, o crime, o pecado que ela cometera contra si própria era algo de que ela sempre teria vergonha demais para esquecer ou para expor. Seria sempre algo que faria ela querer chorar, porém não traria as lágrimas aos olhos, porque ela não tinha esse direito. E a pior parte era que ela não conseguia entender a razão. Por quê sempre fazia esse tipo de coisa consigo mesma? Era tão simples! Apenas não faça. Se não condiz com quem você é, se não lhe convém, não faça! Mas era sempre a mesma coisa. Sempre incorria no mesmo tipo de erro. Porém, havia uma coisa que ela não se permitiria: sentir pena de si mesma.
A piedade, para ela, em especial a autopiedade, era o pior dos venenos, pois agia de forma muito lenta e, ao mesmo tempo, muito dolorosa. Era o tipo de coisa que faz as pessoas envelhecerem antes do tempo e se tornarem amargas e cruéis. Ela preferiria sentir ódio de si mesma. Preferiria, antes, tirar a própria vida. Mas não sentir pena. Isso, não.
Não sentiria pena. Mas também não se perdoaria jamais por um erro como esse. E, neste exato momento, não sentia nenhum amor, nenhum sentimento bom em relação à sua própria pessoa. Neste momento, nem queria olhar no espelho. Pois em vez de um rosto jovem e belo, como era o seu, veria a personificação de tudo o que é feio e mal e velho além do ponto de recuperação. Neste momento, ela era como uma coisa cinzenta e doente, com a pele enrugada e a alma dilacerada. Neste momento, ela nem era ela. Neste momento, ela queria que este momento não existisse. Mas sabia que ele existia e que teria de vivê-lo e sobreviver a ele. E esperava que, no futuro, nunca mais cometesse um tal ato de traição. E isso era tudo o que ela podia fazer agora.