quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

O dia perfeito

Durante toda a sua vida, Paloma foi uma pessoa contida. Raramente externava alguma emoção negativa e, mesmo quando estava feliz, não demonstrava isso de maneira arrebatada. Entretanto, era uma pessoa bastante ansiosa e sentia dificuldade em controlar esta condição. Porém, quando sentia esta emoção de maneira mais forte, fazia um esforço e respirava fundo. Algumas vezes, se distanciava das pessoas ao redor e não se comunicava muito. Outras, desatava a falar e a fazer piadinhas e ria. Aliás, essas eram as vezes em que mais demonstrava o que sentia, mas as pessoas não pareciam notar nada de estranho nisto.
Contudo, ultimamente vinha se irritando mais que nunca em sua vida, cada vez com mais frequência e pelas menores coisas. Como num outro dia, em que uma senhora esbarrou nela na rua e Paloma teve vontade de esmurrá-la. Naquele dia, ela assustou-se muito consigo mesma. Sabia que era uma reação desproporcional e sabia também qual era seu problema.
Toda vez que alguém fazia ou dizia algo que a desagradava, Paloma não tinha qualquer reação. Apenas, como sempre, respirava fundo e pensava que tinha que se acalmar, que não valia a pena entrar em um conflito, que não era boa nisso e que arrumaria algum problema. E, desta forma, as pessoas seguiam destratando a moça. Quanto mais educada e respeitosa ela se mostrava, mais as pessoas pareciam sentir-se confortáveis em molestá-la e mais fundo ela entrava em sua mente e em seu próprio mundo. Já havia chegado a um ponto em que havia se afastado quase completamente do mundo exterior e de seus habitantes, quase nunca saía de casa, a não ser para trabalhar e, embora fosse relativamente fácil falar com ela, era cada vez mais difícil aproximar-se de fato, pois Paloma não o permitia.
Paloma sabia que precisava mudar, para seu próprio bem e, principalmente, para o bem das outras pessoas, pois sentia a linha entre a sanidade e a loucura cada vez mais estreita. Precisava falar, demonstrar, fazer com que soubessem quando algo não era de seu agrado, mas de uma forma civilizada. Não obstante, o hábito de retrair-se e recuar era muito forte e ela sempre caía na mesma armadilha de sua própria mente, que a dizia para se acalmar e esquecer.
A cada dia, Paloma levantava da cama com o propósito de fazer as coisas de maneira diferente e, naquele dia em particular, estava especialmente bem-disposta. Sentia algo diferente em si mesma, como se uma espécie de descarga houvesse sido puxada em sua cabeça e todos os problemas houvessem simplesmente sumido.
O dia estava lindo. Claro, era verão. O céu estava limpo, brilhante, o ar da manhã era fresco e revigorante e isso a fez sorrir.
Paloma tomou seu café, se arrumou e saiu para mais um dia de muito trabalho. Decidiu que não ia deixar nada nem ninguém tirá-la do sério hoje, mas que também não havia nenhuma razão para se preocupar com isso. Seu dia seria perfeito. Foi assim que ela decidiu e assim foi.
Ao chegar no escritório, cumprimentou a todos com um sorriso e sentou-se à sua mesa. Então, chegou aquela sua colega que adorava provocá-la. Paloma começou a franzir as sobrancelhas, mas lembrou-se que hoje era um dia diferente e não havia nada com que se preocupar. Olhou para a mulher e a cumprimentou como havia feito com todos os outros naquele dia: com um bom-dia animado e um sorriso. Mas a colega falou algo que, por mais que tentasse agora, não conseguia lembrar. Na verdade, não conseguia lembrar-se muito bem de nada após aquilo. Mas não tinha importância. A única coisa de que precisava lembrar-se era de como havia respondido.
Ao ouvir a resposta ao seu bom dia daquela colega que costumava fazê-la sentir-se mal, Paloma levantou sorrindo e sentindo-se leve e pegou um taco de madeira que estava embaixo de sua mesa. Não sabia como aquilo havia ido parar ali, mas isso também não tinha importância nenhuma. Aproximou-se sentindo-se muito, muito feliz e disferiu um golpe na cabeça dela. Gritou de alegria, pois o sangue que jorrou de sua cabeça era de um vermelho-vivo lindíssimo. Bateu de novo. E de novo. E de novo. Bateu até que seus braços começaram a doer. E então olhou em volta e viu os rostos de seus colegas, horrorizados. Não entendeu nada, estava tão feliz! Aquele era o dia perfeito.
Em pouco tempo, apareceram várias pessoas estranhas, a seguraram algemaram, colocaram em um carro. Ela continuava sem entender, mas não tinha importância. Aquele era o dia perfeito.
Nada poderia estragar aquele dia: nem as pessoas que a algemaram, nem as pessoas que lhe fizeram um monte de perguntas sem sentido sobre os motivos que a levaram a cometer um tal assassinato, nem as pessoas de branco que a examinaram, amordaçaram, colocaram uma camiseta engraçada nela e a puseram sozinha em uma pequena sala sem janelas. Nada daquilo tinha importância, porque aquele foi o dia perfeito, assim como o dia depois dele, o dia depois deste e todos os outros dias desde então. Paloma nunca mais havia se sentido triste, ansiosa, irritada, solitária, nem nunca mais havia tido qualquer sentimento ruim. Ela agora estava sempre feliz e todos os dias eram o dia perfeito.
Sua vida agora era perfeita.

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