terça-feira, 23 de outubro de 2018

O descalabro

Eu me apaixonei no momento mesmo em que o vi. Era lindo! O ambiente estava um pouco escuro, mas ele era perfeitamente visível ali. Tudo nele chamava a atenção, a começar por sua estatura exagerada.  Tinha cabelos bem curtos, cortados em estilo militar; havia uma barba rala em seu rosto que era grande e bem definido, apesar de ele estar ligeiramente acima do peso. Trazia uma fisionomia séria, quase como se estivesse zangado e seu olhar parecia ser capaz de atravessar a barreira imposta pelos meus olhos misteriosos e ir direto para dentro da minha mente. Dava um pouco de medo, mas isso servia apenas para atiçar minha curiosidade e minha imaginação... Eu era a esta altura uma mulher relativamente independente e livre, ou pelo menos assim é que eu me via. Mas isso só durava até ele chegar. Via sempre primeiro seu vulto na porta, contra o sol, aquela figura gigantesca que parecia parar sob o umbral por um momento para apreciar o efeito que causava nas pessoas, embora eu esteja quase certa de que isto seja coisa da minha imaginação fértil. A partir daí, eu já não era livre, nem independente. A partir daí, parecia que o relógio andava apenas meio segundo de cada vez. Tudo ficava em segundo plano e o que eu via, a imagem que vem à minha mente quando lembro dele naquele ambiente, era de um monte de mesas e cadeiras, as pessoas apenas sentadas, minha colega imóvel ao lado, nada se mexia, nem ninguém, apenas ele, vindo em minha direção. Dramático! Mas é isso o que lembro e certamente era isso o que sentia na época e sei que é verdade pela maneira como meu coração acelera e se confrange apenas por me lembrar... E depois de toda essa cena, quando ele finalmente chegava até mim, eu podia sentir o sangue invadir minhas faces, me causando um rubor embaraçoso e meu coração batia de uma maneira tão louca e descontrolada que às vezes me dava um pouco de tontura e parecia que ia explodir. Me sentia um pouco ridícula, meio como uma adolescente que encontra seu ídolo. A bem da verdade, não é bonito para uma mulher feita se encontrar neste estado de descalabro. Mas era assim que eu ficava. E é assim que eu fico quando, ao andar pelas ruas da cidade, vejo alguém parecido com ele. O mundo volta a parar.
Nunca troquei uma palavra com ele que saísse da formalidade; não podia. Apesar de todo este alvoroço, ele não era para mim. Mas me causou uma grande impressão!
Agora já fazem dois meses que não o vejo. E embora não o conheça e ele não seja, nem nunca tenha sido, nem nunca virá a ser nada meu, o que não daria por um relance de sua figura?! Um momento mais em que o tempo desacelerasse até quase parar e eu pudesse sentir aquele calor febril, o rubor e o caos dentro do meu peito. O que eu não daria?!

terça-feira, 16 de outubro de 2018

Fruto proibido

Homens, festas, os amigos... nada!
Não são para mim.
Não mais...
Eu mordi o fruto proibido
e meus olhos se abriram.
Olhei ao redor e o que vi me espantou
até tirar o fôlego,
porque as pessoas que me sorriam
apenas queriam mostrar suas presas,
porque os homens mais honrados que conheci
na verdade eram os maiores canalhas de todos os tempos
e porque as mulheres mais puras que já vi
poderiam competir em malícia com o Anjo Caído.
Se ao menos eu não tivesse dado aquela mordida!
Talvez isso tenha feito de mim
pior do que todos esses homens e mulheres juntos,
porque desafiei a palavra de Deus,
por isso agora eu sei
e o que se sabe não pode ser negado;
talvez para os outros sim,
mas não para si mesmo,
certamente não para mim mesma.
Por isso, fui expulsa do paraíso
para vagar sozinha por este mundo,
sempre com a visão do Éden no horizonte,
mas todos sabem que o horizonte é um lugar inalcançável;
e no deserto onde estou as miragens pipocam como milho na panela
e quando estendo a mão
achando que meu sofrimento chegou ao fim
descubro que era só mais um truque.
Delírios da solidão...
Engulo em seco.
Respiro fundo e escondo a dor e
o sorriso no meu rosto diz que está tudo bem.
Sim, está tudo muito bem!
Mas meus olhos,
ah, meus olhos!
Estes são transparentes como vidro!
O problema é que as pessoas são cegas.
Mas é só porque elas não querem ver
o que acontece quando alguém se rebela
e decide dizer a si mesmo somente a verdade
e decide abandonar as mentirinhas inocentes que contamos a nós mesmos
"Todos merecem o benefício da dúvida"
"Depois da tempestade vem a bonança"
"Mas eu não sabia... Sou uma vítima das circunstâncias!"
Todas mentiras agradáveis
que, no entanto, tornam tudo mais difícil
A verdade...
A verdade dói!
A verdade é difícil, rígida,
não permite subterfúgios,
mas a verdade não te paralisa
como fazem as mentirinhas.
As mentirinhas te transformam em serpente,
te fazem rastejar,
sibilar;
a verdade te faz ser como uma águia,
voando a uma altura de onde se pode ver tudo com clareza,
guinchando a plenos pulmões
ao avistar uma serpente mentirosa
e foi este o perigoso fruto que mordi
e que me destruiu,
mas que agora me permite ser uma pessoa melhor;
não para eles,
não para você,
não para ninguém,
ninguém!,
a não ser eu mesma;
e agora, embora esteja perdida
sei que também estou salva,
pois agora que já mordi o fruto
meus olhos estão abertos
e a serpente mentirosa
continua rastejando sobre a lama e sobre a relva
e sob minha vigília constante.
A serpente está na minha mira,
assim como você!

sábado, 6 de outubro de 2018

Natural nothing

Some people are natural artists;
some are natural mothers;
some other are natural wives,
or naturally talented at something
I'm a natural nothing,
naturally nothing,
naturally a nature's mistake...

quinta-feira, 4 de outubro de 2018

Mulheres

Mulheres são seres agressivos e muito desagradáveis. Claro, temos que competir umas com as outras por um recurso bastante escasso: bons homens. Fortes, saudáveis, responsáveis. E a competição é selvagem. Porém tudo acontece sob o fino véu de mármore da civilidade. Mas, se você chegar mais perto, verá as fissuras e logo perceberá que elas foram feitas a tapas e arranhões. Verá pequenas lascas feitas por objetos atirados. E verá que a modelo sob o véu, embora tenha um rosto belo e, no geral, harmônico, tem olhos irados e assustadores e uma linha em torno da boca que indica todos os sorrisos debochados que ela já deu.
Mulheres são perigosas: têm um olfato apurado que sente de longe o cheiro da fraqueza e sua língua é afiada como nenhuma faca já feita. São também traiçoeiras: gostam de se fazer de amigas, só para se aproximar e desferir um golpe mortal, deixando a oponente lívida e exangue no chão. Sororidade?! Pff! Tente: falsidade!
Enfim, são poucas, pouquíssimas as mulheres em que se pode confiar, ainda mais em dias de sororidade extrema. Ou, como diriam Os Batutinhas: "Meninas: ugh!"

Um bom dia para morrer

Hoje é um bom dia para morrer.
O céu está azul e as nuvens,
as nuvens estão altas e brancas;
o vento sopra numa brisa perfumada
com os cheiros da primavera e
um sorriso brota nos meus lábios e,
em frente aos meus olhos,
um raio de sol atinge a parede amarela,
que fica dourada
e o mundo inteiro se enche dessa luz maravilhosa
e eu estou em paz:
tudo é tão bonito!
Nunca quero ver novamente aquele mundo preto e cinza,
de dor e feiúra.
Estou feliz e me basta a vida:
hoje é um bom dia para morrer!