segunda-feira, 12 de março de 2018

O Monstro

O monstro estava parado com o olhar fixo. Ele tinha os olhos vermelhos de raiva e de dor. Era um monstro muito perigoso. Seus olhos eram fundos e traziam enormes olheiras roxas, escuras, profundas. Os ossos malares eram pronunciados e as faces, chupadas. Sua pele, contudo, era surpreendentemente bronzeada e de aspecto vivo e saudável. E, de fato, aquele monstro estava vivo e prestes a despertar.
Sua figura estava quase completamente imóvel, exceto pelo subir e descer de seu peito magro e ossudo, adornado por pequenos seios redondos, enquanto respirava. A cada vez que inalava o ar, seus olhos e olheiras pareciam escurecer mais um pouco e sua fisionomia adquiria um quê cada vez mais acentuado de crueldade. O monstro era feito de maldade pura. Ele era feito de tudo de ruim que havia.
O monstro sentia ódio. Era disso que ele se alimentava, também. E a dor de mil feridas abertas e sangrando não o permitia pensar em outra coisa. O monstro estava acorrentado e isso só provocava mais ódio. Mas enquanto acordava, ele puxava suas correntes e, assim, elas estavam quase arrebentando. Faltava pouco, agora... E seu carcereiro seria um brinquedo em suas garras afiadas e alimento em suas presas famintas. Ele iria sair dali e todos que se pusessem em seu caminho seriam esmagados sob seus pés, com toda a força de sua fúria. Ele era um monstro.
Mas então uma luz se acendeu, atrapalhando sua visão mais acostumada ao escuro e a porta da cela se abriu. Um anjo entrou.
O anjo trazia correntes em suas mãos, correntes novas, brilhantes, fortes. O monstro começou a se debater, pois percebeu que seria mantido preso, e suas correntes antigas se soltaram das paredes e ele avançou sobre o anjo de luz. Mas o anjo espalhou aquela claridade brilhante em frente ao monstro como se fosse uma barreira, uma que ele não conseguiria ultrapassar. O monstro bateu na barreira e foi jogado para o fundo de sua cela, onde o anjo o aprisionou em suas novas correntes e o subjugou e, com um toque em sua testa, o fez cair desacordado.
Neste momento, Paloma deu por si parada em frente ao espelho, com um olhar que nunca havia visto antes em seu próprio rosto e a boca retorcida em um sorriso maldoso e sarcástico. Ela estremeceu, secou as lágrimas que escorreram sem que houvesse percebido e saiu dali. "Estou muito cansada, pensou, melhor começar a dormir mais cedo."
Assim, Paloma partiu para iniciar mais um dia de trabalho, sem perceber o monstro de olhar louco e sorriso maldoso e sarcástico que ficara a observá-la do espelho...

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